5 de fevereiro de 2009

MATA ATLÂNTICA: Conservação ainda mais prioritária

Rã-ferreiro (Hypsiboas faber) foi uma das espécies usadas no estudo para identificação de regiões estáveis na Mata Atlântica.

Cristiane Prizibisczki 

Se os remanescentes de Mata Atlântica que cobrem nacos dos estados da Bahia, Espírito Santo e Minas Gerais (o chamado Corredor Central) já eram importantes em termos de conservação, com novo estudo realizado por pesquisadores norte-americanos e brasileiros ele ganhou ainda mais importância. O trabalho, desenvolvido pela Universidade da Califórnia em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), mostrou que a biodiversidade da região é muito maior do que se imaginava, apresentando-se como ponto mais do que estratégico para ações de conservação.

O estudo, que deu origem ao artigo Stability Predicts Genetic Diversity in the Brazilian Atlantic Forest Hotspot(Estabilidade prevê Diversidade Genética no Hotspot da Floresta Atlântica Brasileira, em tradução livre), prova, pela primeira vez, que os remanescentes de Mata Atlântica que vão do sul da Bahia até o Espírito Santo mantiveram-se contínuos durante milhares de anos, inclusive na última era glacial, o que possibilitou o acúmulo de mutações genéticas nas espécies que por lá habitaram. Em outras palavras, o Corredor Central é um grande berço de novas formas de vida.

Para se chegar a este resultado, os pesquisadores realizaram análises baseadas em estudos genéticos e simulações de condições climáticas. O primeiro passo foi determinar qual espécie seria usada. Os principais critérios utilizados para a escolha foram ampla distribuição na Mata Atlântica e disponibilidade de dados catalogados. Ao final, foram determinadas três espécies de rãs: a perereca-verde (Hypsiboas albomarginatus); a perereca propriamente dita (Hypsiboas semilineatus), e a rã-ferreiro (Hypsiboas faber).

“Anfíbios são excelente bio-indicadores. Assim como é possível estudar como eles respondem a mudanças ambientais atuais, podemos também utilizar seu DNA para entender como responderam a mudanças ambientais do passado. Foi por isso que resolvemos usar dados genéticos e de ocorrência de anfíbios brasileiros para investigar como climas pretéritos influenciaram na distribuição geográfica das espécies de ampla distribuição na Mata Atlântica”, explica Ana Carolina Carnaval, autora do estudo.

Depois de escolhidas as espécies, os pesquisadores levaram cerca de um ano e meio colhendo tecidos em diversas instituições, para ter uma amostragem representativa de toda a Mata Atlântica e realizar o sequenciamento do genoma das amostras. A etapa seguinte foi buscar dados de 43 porções da mata, como variação de temperatura, relevo e altitude. Com as informações em mãos, foram realizadas simulações no tempo presente, há seis mil anos e há 21 mil anos, no auge do período glacial. O objetivo era analisar quais áreas de mantiveram estáveis ao longo dos anos.

O resultado das análises mostrou que a vegetação do corredor central da Mata Atlântica é uma destas áreas estáveis, ou refúgios, como são chamados, por ter se mantido em pé durante todo este período, isolada de outras áreas, funcionando como uma ilha, um laboratório natural de experimentação evolucionária. Vale lembrar que as ilhas, como Galápagos, Maurício ou Bali, sempre desempenharam papel central no estudo da evolução por apresentarem grande incidência de especiações e endemismos. Charles Darwin e Alfred Wallace que o digam.

A porção sul do bioma, no entanto, não foi considerada estável pelos pesquisadores, por não apresentar continuidade genética ao longo das eras.

Segundo o professor da Universidade de São Paulo (USP) Miguel Trefau Rodrigues, co-autor do estudo, uma das hipóteses levantadas para esta instabilidade é que ela seja área de colonização recente. “Importante ressaltar que isso não quer dizer que a mata desapareceu dali durante os diferentes períodos geológicos. Não é possível saber isso, mas apenas que ela foi colonizada recentemente”, explica.

Outra pergunta que permaneceu sem resposta foi a idade deste bloco florestal estável. De acordo com Rodrigues, é possível que ele seja muito mais antigo do que a última data analisada, de 21 mil anos atrás. Mas isso necessitaria outro estudo. Por enquanto, o que os pesquisadores pretendem mostrar com seu trabalho, segundo Ribeiro, é que o sequenciamento genético pode ser uma ferramenta rápida para identificação da riqueza biológica das porções de mata que restam no país e que o pouco que restou da Mata Atlântica precisa urgentemente de proteção, para assegurar estes berçários de diversidade.

“Acho que a mensagem principal do trabalho é a de que a região central da Mata Atlântica - principalmente na Bahia - merece mais atenção do ponto de vista da pesquisa e conservação. Aumentar o número e a conectividade de reservas na região será um passo fundamental para a gente conseguir proteger - e estudar mais a fundo - a diversidade da região”, diz Ana Carolina Carnaval.

O artigo Stability Predicts Genetic Diversity in the Brazilian Atlantic Forest Hotspot estará disponível em breve na página da revista Science.

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